Em junho de 2021, a Universidade de Harvard publicou o seu relatório anual sobre o mercado imobiliário americano. Como não poderia deixar de ser, o estudo traz muitas informações sobre o impacto da pandemia de Covid-19. Para traçar um paralelo com o setor imobiliário brasileiro, conversamos com Ana Maria Castelo, Coordenadora de Projetos da Construção do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que destacou a surpreendente reação após os difíceis primeiros meses da crise mundial causada pelo novo coronavírus. Mas fez questão de ligar um sinal de alerta: a economia brasileira precisa melhorar como um todo, para que o segmento continue crescendo.

Ana Maria Castelo (Foto: Divulgação | FGV Ibre)

Mercado imobiliário 2021

Em relação ao crescimento, o segmento vai muito bem, obrigado. Apesar do susto inicial com a pandemia, especialmente nos primeiros meses, em 2020, o mercado soube reagir bem, na avaliação de Ana Castelo e vem tendo um ano de 2021 virtuoso.

Tanto que, no final do mesmo mês em que Harvard publicou sua pesquisa, a FGV divulgou seu Índice de Confiança da Construção (ICST), que subiu 5,2 pontos em junho e registrou o segundo avanço consecutivo no ano. A alta mensal foi a maior desde julho de 2020, quando o mercado, vindo de quatro meses consecutivos em queda, começou verdadeiramente a pegar maior tração após o impacto inicial da pandemia de Covid-19.

“Com a maior alta mensal desde julho de 2020, o Indicador de Confiança da Construção recuperou o nível do início do ano. Vale destacar o avanço dos dois componentes, sinalizando uma melhora do ambiente de negócios atual com repercussão muito positiva sobre as expectativas. A pressão dos preços das matérias primas sobre os orçamentos e novos projetos não arrefeceu e continua sendo um dos grandes obstáculos às atividades das empresas. No entanto, prevaleceu a percepção de que a alta dos preços não está afetando a demanda, que voltou a crescer. A grande questão que se levanta é em que medida essa melhora se sustenta, ou seja, se a demanda suportará o repasse dos aumentos de custo”, avaliou Ana Castelo, na oportunidade da divulgação do ICST de junho de 2021.

A alta do INCC

O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), que já vinha em uma tendência de subida, teve em junho de 2021 a sua maior alta em 13 anos, subindo pra 2,30%, contra 1,80% de maio. Mas até onde os custos com insumos e mão de obra podem afetar o mercado a curto, médio e longo prazo? 

De acordo com Ana Castelo, há uma percepção das empresas de que é possível repassar esses custos. E que isso não estaria afetando a demanda pela compra de imóveis. 

“Os preços do material de construção subiram muito. No acumulado de 12 meses, ainda vai subir por um tempo. E vai terminar esse ano de 2021 em um patamar mais alto. A mão de obra também contribui muito para esse aumento. Por enquanto, os custos têm sido repassados, sem prejuízo à demanda. Mas fica a pergunta: será que isso vai manter?”, questiona a especialista.

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O futuro do setor imobiliário brasileiro no pós-pandemia

Mas no setor imobiliário tudo gira em torno de prazos e ciclos longos, tanto em termos de novos lançamentos – pelo lado das construtoras e incorporadoras – quanto no que diz respeito ao público final, uma vez que as prestações de um financiamento imobiliário, por exemplo, pode durar até 35 anos. Justamente por isso, um exercício de futurologia acaba não sendo tão preciso. 

Segundo Ana Castelo, é até possível avistar algumas tendências. Mas elas podem variar de acordo com os cenários que a economia do país venha a apresentar. E algumas possibilidades podem significar um sinal amarelo de atenção.

“O mercado imobiliário já vinha crescendo. O crédito já vinha se expandindo. A manutenção do ritmo dos agentes financeiros foi fundamental naquele primeiro momento do início da pandemia. Mas estamos falando de um mercado que, para conseguir sustentar esse ritmo de crescimento, vai depender de uma melhora expressiva da economia no geral. A gente não consegue imaginar crescimento sem que essa expansão seja para toda a sociedade”, finaliza Ana Castelo.

Carência de dados do mercado imobiliário brasileiro

Em relação ao estudo de Harvard, Ana Castelo faz uma ressalva importante quando se compara o mercado brasileiro ao dos Estados Unidos: o Brasil ainda está longe de conseguir fazer um raio-x tão preciso do segmento como acontece por lá. Para Ana, comparação nesse quesito é “terrivelmente negativa”, justamente pela pouca quantidade e qualidade das informações que temos no Brasil. 

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“Temos inveja por aqui cada vez que recebemos os estudos como esse de Harvard, ou de consultorias internacionais e vemos a quantidade de informações reunidas sobre o que está acontecendo. Tudo com um detalhamento enorme, sobre diversos aspectos do mercado, que passam por perfis, gêneros, faixas de renda, entre outras coisas. Nós não temos o mesmo nível de informação que eles expõem”, assegura Ana Castelo.

O setor imobiliário brasileiro em pesquisas e indicadores

O próprio FGV Ibre cobre alguns segmentos imobiliários com suas pesquisas e índices mensais. Além do ICST, o instituto é responsável também, por exemplo, pelo Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M) – ainda muito usado para o reajuste de aluguéis – e pelo INCC. 

E apesar de ainda não ter o nível de aprofundamento em suas pesquisas, o setor imobiliário do Brasil reúne, sim, algumas boas pesquisas setoriais.

Segundo a Ana Castelo, algumas entidades fazem estudos que ajudam a traçar alguns cenários do mercado brasileiro, como os que são feitos pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), em âmbito nacional. Além de outros mais regionais que ela considera relevantes, como as do Secovi-SP (Sindicato patronal da habitação) e da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro (Ademi-RJ).

Comportamento do mercado imobiliário brasileiro na pandemia

Sempre atenta a todos os dados divulgados por essas entidades, Ana Castelo traçou para o MeuLugar um panorama sobre como o mercado brasileiro se comportou desde o início da pandemia e vem se comportando até o momento. 

“O que as pesquisas foram mostrando de um modo geral, em termos de vendas e lançamentos, foi aquele momento inicial de fechamento total e de incerteza sobre como iria reabrir e como as coisas iriam funcionar. Mercado simplesmente parou e passou por seu momento mais crítico entre abril e maio de 2020. E não apenas do ponto de vista de venda, porque os estandes foram fechados. Mas também com o que estava previso para ser lançado. Empresas adiaram projetos e até mesmo as obras em andamento”, lembra a Coordenadora do FGV Ibre.

Retomada após o primeiro impacto

No dia 11 de maio de 2020, um decreto presidencial ampliou a lista de serviços essenciais, que passou a incluir a construção civil. E, com isso, o setor imobiliário voltou a funcionar e foi retomando suas atividades aos poucos. Apesar de estandes continuarem fechados por um bom tempo, o que só foi se normalizar mais para o final do ano de 2020. 

“Mas acabou sendo uma grande surpresa o que aconteceu. Houve uma grande adaptação a uma nova sistemática de venda. Foi uma adaptação grande e surpreendeu nesse sentido. As famílias e os investidores do mercado reagiram bem. E as vendas fecharam o ano de 2020 com resultados positivos”, diz Ana Castelo.

Segundo a coordenadora do FGV Ibre, o mercado de concessão de crédito, que já vinha em uma expansão grande, também teve uma ligeira redução de ritmo no início da pandemia, mas depois, rapidamente, retomou seu crescimento, impulsionado pelo momento favorável de juros baixos nas taxas de financiamento imobiliário. 

Inadimplência baixa

O estudo da Harvard fala sobre perda de membros das famílias e colapso financeiro provocados pela pandemia. E que esses fatores, provavelmente, impactarão o setor imobiliário por vários anos. Quando perguntada sobre se aqui no Brasil, onde já passamos de mais de 500 mil mortes, também existe essa percepção, Ana Castelo afirmou que não dá para prever o futuro. Mas citou indicativos de que, por enquanto, o mercado ainda passa por uma estabilidade em um indicador muito importante: os níveis de inadimplência. 

De acordo com Ana Castelo, aliado ao panorama de juros baixos, a inadimplência não aumentou, apesar da pandemia de Covid-19. O que aponta para um cenário ainda favorável ao mercado imobiliário.

“Um ponto importante que precisa ser analisado é o de quem comprou imóvel e está no meio de um financiamento. Até agora, segundo os indicadores mais recentes, não vemos um crescimento da inadimplência. Olhando os casos da Abrainc, sobre distratos, elas se mantém no mesmo patamar pré-pandemia. Portanto, não estamos vendo nenhuma luz vermelha. Os bancos agiram rápido para negociar, prorrogando prazos de carência para quem não podia pagar. Pode ser que a gente tenha um efeito de rebote mais à frente. Mas, por enquanto, isso ainda não está acontecendo. A concessão de crédito continua forte e a inadimplência continua baixa”, avalia Ana Castelo.

O crescimento do QuintoAndar

O QuintoAndar fechou, no final de maio de 2021, uma nova captação de investimentos (US$ 300 milhões), pra se consolidar como a maior proptech da América Latina, com US$ 4 bilhões de valor de mercado (valuation). Com isso, além do crescimento nos segmentos de aluguel e compra e venda de imóveis residenciais no Brasil, a imobiliária digital já prepara o início de sua expansão internacional, a começar pelo México nos próximos meses.

Líder isolado no mercado de locação no Brasil, com mais de 100 mil contratos sob gestão, o QuintoAndar fecha cerca de 10 mil novos aluguéis por mês, o que representa um crescimento entre 20 e 30 vezes mais rápido que seu concorrente mais próximo. 

No começo de 2020, poucos meses antes do início da pandemia, a imobiliária digital começou a operar com compra e venda de imóveis residenciais. E rapidamente se tornou líder nesse segmento também. Em menos de um ano, o QuintoAndar já obteve o maior estoque de imóveis para venda entre as plataformas digitais de transação do país. E conta atualmente com mais de 60 mil propriedades anunciadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre

A empresa fechou mais de 1 mil vendas no seu primeiro ano de operação no segmento. E passou da marca de 8 mil transações em termos anualizados, com expansão trimestral entre 50% e 100% em compra e venda de imóveis.